quinta-feira, janeiro 25, 2007

«És a vanguarda da rectaguarda.»

«Para começar a contar qualquer história é já preciso saber-lhe o fim.»

Posso, finalmente, começar a contar a nossa.

«Penso em ti unicamente porque quero pensar em ti. E tu, desobediente obediente, vens logo. Num instante vejo-te a cara. O bem que me fazes é o mal que me fazes, as contas feitas. O amor morto é uma estranha visita. Bate devagar, levemente, um coração fechado nas mãos.»

Sei porque é que, há uns anos, deixei de ler Pedro Paixão.
O que não sei é porque é que ontem voltei a pegar nele.

quarta-feira, janeiro 24, 2007

S: de Saudade.

Nunca fui de grandes patriotismos.
Portugal é um país pequeno com mentes a condizer. Os portugueses são, de um modo geral, tristes (não necessariamente no sentido de deprimidos, embora se registem cada vez mais casos nessa categoria), hesitam em aprender, não têm dentes e muitos não sabem ler ou escrever.
Portugal é um país fisicamente bonito. Pode ter poucas curvas, mas tem «umas costas» lindíssimas, onde podemos amolecer no verão, estendidos ao sol (outra bênção concedida a este cú de judas à beira mar plantado). Tem paisagens maravilhosas do Douro ao Caldeirão e uma capital esplendorosa, cheia de luz, a cair de podre e a abarrotar de miséria.
O português é uma língua complexa. Dura e fechada, pouco romântica e difícil de aprender, segundo dizem, excepto para as gentes de Leste, por sinal.
Reconheço a Portugal, aos portugueses e ao português algumas características únicas, para o bem e para o mal.
Dizem que «saudade» não tem tradução para qualquer outra língua. Que é, portanto, uma palavra só nossa, que todos podem sentir mas só nós podemos usar e resumir tamanha sensação de ter tido e já não ter a sete letras apenas.
Portugal tem vindo, nas últimas décadas, a alcançar lugares cimeiros nos inúmeros rankings europeus pelas piores razões e recentemente foi até apontado como exemplo a não seguir.
Hipoteticamente, supondo que cada idioma tem exclusividade sobre uma palavra e respectivo significado, até nisto temos azar. Tinha de nos calhar a saudade. Que de todos os sentimentos é o que mais transtorna, descompensa, angustia e faz chorar.

segunda-feira, junho 26, 2006

Acho que começo a entender o futebol...

Eu cá não vi - porque a vida não é só bola e uma pessoa tem de se dedicar mais às fatias - mas parece que a Itália lá conseguiu mandar os australianos de volta à ilha, ainda que de forma controversa.
Para mim, e muito antes de entrar em campo, a squadra azzurra já tinha ganho. Se bem que noutra categoria.

sexta-feira, junho 23, 2006

A propósito do Ronaldo magro.


Vi no telejornal que Cristiano Ronaldo, no final do treino e num acto de simpatia, convidou uns miúdos a dar uns toques na bola com ele.
Os miúdos todos contentes, aos saltinhos, às cabeçadas à bola, depois de joelho, de calcanhar, com o ombro, outra vez de cabeça, o joelho já dorido, Ronaldo a dar espectáculo, toda a gente embevecida, os miúdos eufóricos mas meio pasmados, a acreditar a custo que estavam para ali a jogar à bola com um dos maiores da modalidade.
Cristiano Ronaldo, num acto de simplicidade, fez as delícias dos miúdos, e admito que das miúdas que por lá andassem também, e passaram ali um bocado a reinar na relva (que é para fazer aqui um efeito giro com a letra érre).
Cristiano Ronaldo até pode ser um rapaz simpático e simples, mas cá para mim, a razão da amabilidade foi outra e ligeiramente mais egoísta: toda a gente sabe que é sempre melhor brincar com alguém da nossa idade.

Há muito, muito tempo, eras tu uma criança...*

I.
O Instituto do Desporto de Portugal (IDP) encerrou, só em 2005, 195 parques infantis da responsabilidade das câmaras municipais.

Uma senhora institucionalmente composta explicava na televisão que um dos motivos que levaram ao encerramento dos parques prendia-se com a falta de cumprimento das regras (apeteceu-me ligar-lhe e perguntar: a sério?), nomeadamente os baloiços de ferro e estruturas afins do mesmo material, causadoras de inúmeros acidentes com crianças, por vezes de grande gravidade.
Até aos cinco anos morei num 2.º andar que tinha a maior parte das janelas viradas para um parque infantil. Às vezes até chegava a pensar que se me esticasse mais um bocadinho de nada, conseguiria tocar o topo do escorrega com as mãos. Felizmente nunca passei da teoria à prática.
Mas passei a maior parte das minhas tardes naquele parque, com o Russo e com a Tucha. A minha avó vigiava-nos da janela (quando não era do banco mesmo ali ao lado) e gritava-nos advertências sábias

parem com isso! isso não é para andar em pé! desçam daí! mais devagar...!

que nos faziam rir antes de as ignorarmos.

Os baloiços eram de ferro. A geração anterior devo tê-los conhecido ainda cor-de-laranja, mas a minha já só viu vestígios da pintura. Eram mais as lascas e as manchas de ferrugem que a tinta. Metíamo-nos em pé em cima do assento, agarrávamo-nos às correntes fortes e abanávamos o corpo para a frente e para trás para ganhar velocidade. O objectivo era dar, praticamente, a volta completa à barra horizontal que suportava o sistema. Nunca caí. Nem o Russo, nem a Tucha. Nunca apanhei tétano. Nem eles, que eu saiba.

O escorrega era de ferro. O latão da «pista» por onde deslizávamos de rabo, de cabeça ou deitados estava amolgado do princípio ao fim. E durante a descida os calções ficavam, não raras vezes, presos nos parafusos que já espreitavam para o lado de cá do metal. Quando nos lançávamos de cabeça também acontecia chegarmos à meta e ganhar uma boca cheia de areia, em virtude dum qualquer despiste por falta de jeito. Rasguei algumas peças de roupa, confesso, ouvi a minha avó repreender-me vezes sem conta (e depois o meu pai e a minha mãe a repreenderem-me vezes sem conta também, porque a minha avó acabava sempre por lhes contar), mas nunca me magoei a sério em nenhuma das acrobacias. Nem o Russo, nem a Tucha. E também não foi no escorrega que apanhámos tétano. E a areia que comemos não trazia hepatites.

Os arcos eram de ferro. Três semicírculos de tamanhos diferentes, enterrados na terra, onde podíamos dar cambalhotas até perder os sentidos. Dar cambalhotas ou simplesmente ficar pendurados de cabeça para baixo, presos pelos joelhos, a varrer o chão com o cabelo. Também já tinham sido de outras cores, creio, mas por aquela altura apenas sobressaía o castanho do ferro. Nunca rachei a cabeça nas reviravoltas da brincadeira. Nem eles. E tétano... nem vê-lo.

Havia ainda uma outra estrutura, cujo nome nunca soube, igualmente de ferro. Trepávamos por ela acima, saltávamos dela abaixo. Também os parafusos daquela ameaçavam desertar dos encaixes e muitas vezes ficávamos com as mãos e/ou os pés presos entre as barras estreitas. Nunca partimos nenhum braço ou perna, e não foi a ferrugem da «estrutura sem nome» que nos obrigou a fazer o teste do tétano.

Mas um dia... a Tucha partiu um dente. Em casa, a correr à volta da mesa, a fugir do irmão. Tropeçou e aterrou de cabeça na esquina duma cadeira. Eu e o Russo não conseguíamos parar de rir, na tarde seguinte, quando ela apareceu.

Por esta altura, o parque já deve estar remodelado de acordo com os regulamentos de segurança. Um dia destes passo lá para o ver e para me submeter voluntariamente a um valente ataque de saudosismo.



Depois dos cinco anos fui morar para outro lado. Não havia parque infantil por perto, mas havia uma estrada sem trânsito nas traseiras. Eu brincava na rua. Com a Beta e com a Sofia. Coisas de gaja, claro. Saltávamos à corda, jogávamos ao elástico, tínhamos Botas Botildes e Limões. Às vezes ficávamos só sentadas no passeio, com as pernas estendidas no alcatrão, a trocar ganchos, autocolantes ou a escrever disparates na estrada com pedaços de tijolo. Recolhíamos já de noite, quando se levantava vento e nos chamavam para jantar. Não tínhamos medo de estar na rua porque talvez não existissem motivos para isso. Ainda hoje não tenho medo de andar na rua, nem de noite, mas acho que isso é resultado de uma inconsciência que me ficou presa cá dentro desde essa época. Ou se calhar chama-se inconsequência.
Interditaram os parques infantis por falta de condições de segurança e o estudo revela que as crianças passam a maior parte do tempo a brincar em casa, porque temos um «fora de casa» que mete medo. Por estas tristes razões, hoje quase me passou pela cabeça a ideia de que um dia também fui criança.



*Onde estás, Grande Zé Cid?

quarta-feira, maio 24, 2006

Bento XVI, o Comunicador.

Há um mês e pouco atrás, Bento XVI alertou os fiéis para o perigo de passar demasiado tempo a ler jornais e a navegar na internet. Agora veio pedir aos jornalistas cuidado, honestidade e clareza no trabalho que desenvolvem.
Se os jornalistas acederem ao pedido (o mesmo será dizer que dão razão ao Sr. Ratzinger e admitem que, até hoje, essas não foram as bases da sua actividade), os fiéis poderão ler os jornais que entenderem e navegar na internet o tempo que quiserem. Porque a partir do momento em que o trabalho dos jornalistas estiver ao gosto do Papa, certamente que o cardeal Francis Stafford receberá ordem para eliminar da lista de pecados aquele que recente lhe adicionou.

Há uma curiosidade que tenho há muitos anos e que é acicatada a cada vez que o Vaticano manda um piteco cá para fora: há algum assunto em que a Igreja não goste de meter o bedelho?

sábado, maio 20, 2006

Ai Portugal, Portugal...

Levantei-me, arranjei-me e saí.
Comprei o jornal no quiosque do costume, atravessei a estrada, entrei no café e o Sr. António disse «bom dia, menina» ao mesmo tempo que me apresentava a bica. Devolvi-lhe o cumprimento e sentei-me a folhear a actualidade. Nem dois minutos haviam passado, quando o Sr. António

- Ó menina, então não vai ao estádio?
- Desculpe...?
- Ao estádio! Fazer a bandeira! Não vai?
- Hmm... Não.
- Olhe que devia ir... deve ser bonito de se ver... e eles querem lá as mulheres todas! E olhe que até vai dar na televisão!
- Pois, parece que sim, mas não vou...
- É pena... Devia ir, devia ir...

Deixei o Sr. António a publicitar a bandeira humana a todos quantos entravam no estabelecimento. Fui meter gasolina. Estranhei a quantidade de carros que estavam na bomba mas não consegui relacionar o facto com coisa nenhuma. Pelo menos nos primeiros cinco segundos. Depois comecei a ver mães, filhas, filhos e pais vestidos a rigor. Camisolas encarnadas, o padrão da bandeira estampado nos lenços atados à cabeça e nos cachecóis pendurados ao pescoço (que, em dias como o de hoje, em que o tempo está fresquinho e tudo, não fazem calor nenhum). Comecei a ficar enervada com aquilo. Despachei-me o mais depressa que pude, apesar da fila em que se pagavam sandes às meias dúzias

- Ó Rosa, traz aí mais duas de carne assada porque não sabemos a que horas é que vamos poder comer...

garrafas de água, lenços de papel, latas de cerveja e, imagine-se, até se pagava gasolina.
Quando abandonei o posto de abastecimento apanhei um trânsito desgraçado para voltar para casa. Confesso que não sei se teria alguma coisa a ver com a deslocação em massa para a Cruz Quebrada mas, já que tinha um bode expiatório, assumi que sim. Enervei-me outra vez. Quando tornei a sair para ir almoçar apanhei mais trânsito. Ia começar a praguejar novamente contra a mais bela bandeira do mundo (?), quando percebi que estava metida na fila indiana de um casamento para o qual não tinha sido convidada. O condutor da frente, não me reconhecendo como elemento da festa, desacelerava, à espera de conseguir ver quem vinha atrás de mim; e o condutor à frente dele abrandava também, na tentativa de perceber o que se passava para trás... e eu ali, entalada naquela palhaçada. Tive vontade de os mandar para... o Estádio Nacional.
Mas agora a sério. Com um bocado de sorte, as mulheres portuguesas fizeram a bandeira dos pagodes chineses, tão na moda desde o Euro 2004. E com mais sorte ainda fizeram a aberração completa, que para além dos pagodes no lugar de castelos conta com um novelo de lã no lugar da esfera armilar. Se assim foi, eu calo-me já e páro de dizer mal. Porque se eu vivo num país que trata a sua bandeira desta maneira e em que se arregimentam milhares de pessoas para torrar ao sol numa tarde de sábado, eu só poderia ter tido a merda de manhã que tive.

terça-feira, maio 02, 2006

Figas.

Estou dentro de um aquário com a minha altura. Estreito e vertical.
Há já bastante tempo que a água começou a entrar. Assim que a primeira gota trespassou o sapato e tocou o dedo pequenino do pé, apercebi-me que não poderia permanecer aqui dentro muito mais tempo.
Neste momento, o nível da água está precisamente acima do lábio superior e abaixo do nariz. Mais um milímetro e vou começar a espernear e a saltar daqui para fora.
Uma vez fora, vou sacudir-me como os cães, de preferência para cima dela. Ela que não me paga a tempo e horas, que me fala mal, que me desconsidera, que me dá neuras de manhã, à tarde e à noite. Ela que vai ficar agarrada, sem ninguém para fazer o trabalho.
Já encontrei uns caixotes maneirinhos lá pelos corredores para pôr o copo das canetas, o vaso com a planta e as fotografias da família - isto se eu vivesse num filme, claro. Como não vivo, vou trazer o copo das canetas, sim, porque é meu, e mais uns livros e umas papeladas que fui acumulando. O resto quero que se... fique por lá, a aguardar o desgraçado que for ocupar a cadeira. Que ainda por cima tem o assento solto e dá origem a desequilíbrios espalhafatosos. Mas como ninguém me avisou disso quando lá cheguei, também não vou avisar ninguém quando sair. Há coisas que temos de descobrir sózinhos.

sábado, abril 29, 2006

Se calhar assustou-se.

sexta-feira, abril 28, 2006

Discurso directo [1]

Naquele dia decidi não tornar a dizer o teu nome. Jurei esquecer-lhe as letras: os traços com que se desenham e o som que produzem quando ditas todas juntas.
Por alguma razão que até ao momento desconheço, todos os dias chovem na minha vida pessoas com o teu nome. Por todos os motivos, vindas de todas as partes. Apesar do sobressalto que ainda me causa, tento acreditar que é por um bom motivo. Um bom presságio. Um bom augúrio. Não há por que negar que fui feliz durante o tempo que chamei por ti. E o teu nome pode voltar aos meus ouvidos sempre, as vezes que quiser, mas agora com a obrigatoriedade de vir em pessoas diferentes de ti. Porque igual ou pior também é difícil. Só mesmo melhor.
E um dia destes, assim de repente, vou ouvir o teu nome e aperceber-me que já não é teu e que, sem querer, te esqueci.

Perguntaram-me se estou apaixonada.

quinta-feira, abril 27, 2006

Efeméride.

Aterrou na minha caixa de correio a seguinte informação:
Na quarta-feira, 4 de Maio de 2006, à 1 hora, 2 minutos e 3 segundos, as horas e o dia serão assim:
01:02:03 04/05/06
Isto nunca mais vai acontecer na sua vida.
É curioso, de facto. Mas se eu pensar na quantidade de coisas que nunca mais vão acontecer na minha vida, isto não tem interesse absolutamente nenhum - se é que chegou a ter algum.