quarta-feira, maio 24, 2006

Bento XVI, o Comunicador.

Há um mês e pouco atrás, Bento XVI alertou os fiéis para o perigo de passar demasiado tempo a ler jornais e a navegar na internet. Agora veio pedir aos jornalistas cuidado, honestidade e clareza no trabalho que desenvolvem.
Se os jornalistas acederem ao pedido (o mesmo será dizer que dão razão ao Sr. Ratzinger e admitem que, até hoje, essas não foram as bases da sua actividade), os fiéis poderão ler os jornais que entenderem e navegar na internet o tempo que quiserem. Porque a partir do momento em que o trabalho dos jornalistas estiver ao gosto do Papa, certamente que o cardeal Francis Stafford receberá ordem para eliminar da lista de pecados aquele que recente lhe adicionou.

Há uma curiosidade que tenho há muitos anos e que é acicatada a cada vez que o Vaticano manda um piteco cá para fora: há algum assunto em que a Igreja não goste de meter o bedelho?

sábado, maio 20, 2006

Ai Portugal, Portugal...

Levantei-me, arranjei-me e saí.
Comprei o jornal no quiosque do costume, atravessei a estrada, entrei no café e o Sr. António disse «bom dia, menina» ao mesmo tempo que me apresentava a bica. Devolvi-lhe o cumprimento e sentei-me a folhear a actualidade. Nem dois minutos haviam passado, quando o Sr. António

- Ó menina, então não vai ao estádio?
- Desculpe...?
- Ao estádio! Fazer a bandeira! Não vai?
- Hmm... Não.
- Olhe que devia ir... deve ser bonito de se ver... e eles querem lá as mulheres todas! E olhe que até vai dar na televisão!
- Pois, parece que sim, mas não vou...
- É pena... Devia ir, devia ir...

Deixei o Sr. António a publicitar a bandeira humana a todos quantos entravam no estabelecimento. Fui meter gasolina. Estranhei a quantidade de carros que estavam na bomba mas não consegui relacionar o facto com coisa nenhuma. Pelo menos nos primeiros cinco segundos. Depois comecei a ver mães, filhas, filhos e pais vestidos a rigor. Camisolas encarnadas, o padrão da bandeira estampado nos lenços atados à cabeça e nos cachecóis pendurados ao pescoço (que, em dias como o de hoje, em que o tempo está fresquinho e tudo, não fazem calor nenhum). Comecei a ficar enervada com aquilo. Despachei-me o mais depressa que pude, apesar da fila em que se pagavam sandes às meias dúzias

- Ó Rosa, traz aí mais duas de carne assada porque não sabemos a que horas é que vamos poder comer...

garrafas de água, lenços de papel, latas de cerveja e, imagine-se, até se pagava gasolina.
Quando abandonei o posto de abastecimento apanhei um trânsito desgraçado para voltar para casa. Confesso que não sei se teria alguma coisa a ver com a deslocação em massa para a Cruz Quebrada mas, já que tinha um bode expiatório, assumi que sim. Enervei-me outra vez. Quando tornei a sair para ir almoçar apanhei mais trânsito. Ia começar a praguejar novamente contra a mais bela bandeira do mundo (?), quando percebi que estava metida na fila indiana de um casamento para o qual não tinha sido convidada. O condutor da frente, não me reconhecendo como elemento da festa, desacelerava, à espera de conseguir ver quem vinha atrás de mim; e o condutor à frente dele abrandava também, na tentativa de perceber o que se passava para trás... e eu ali, entalada naquela palhaçada. Tive vontade de os mandar para... o Estádio Nacional.
Mas agora a sério. Com um bocado de sorte, as mulheres portuguesas fizeram a bandeira dos pagodes chineses, tão na moda desde o Euro 2004. E com mais sorte ainda fizeram a aberração completa, que para além dos pagodes no lugar de castelos conta com um novelo de lã no lugar da esfera armilar. Se assim foi, eu calo-me já e páro de dizer mal. Porque se eu vivo num país que trata a sua bandeira desta maneira e em que se arregimentam milhares de pessoas para torrar ao sol numa tarde de sábado, eu só poderia ter tido a merda de manhã que tive.

terça-feira, maio 02, 2006

Figas.

Estou dentro de um aquário com a minha altura. Estreito e vertical.
Há já bastante tempo que a água começou a entrar. Assim que a primeira gota trespassou o sapato e tocou o dedo pequenino do pé, apercebi-me que não poderia permanecer aqui dentro muito mais tempo.
Neste momento, o nível da água está precisamente acima do lábio superior e abaixo do nariz. Mais um milímetro e vou começar a espernear e a saltar daqui para fora.
Uma vez fora, vou sacudir-me como os cães, de preferência para cima dela. Ela que não me paga a tempo e horas, que me fala mal, que me desconsidera, que me dá neuras de manhã, à tarde e à noite. Ela que vai ficar agarrada, sem ninguém para fazer o trabalho.
Já encontrei uns caixotes maneirinhos lá pelos corredores para pôr o copo das canetas, o vaso com a planta e as fotografias da família - isto se eu vivesse num filme, claro. Como não vivo, vou trazer o copo das canetas, sim, porque é meu, e mais uns livros e umas papeladas que fui acumulando. O resto quero que se... fique por lá, a aguardar o desgraçado que for ocupar a cadeira. Que ainda por cima tem o assento solto e dá origem a desequilíbrios espalhafatosos. Mas como ninguém me avisou disso quando lá cheguei, também não vou avisar ninguém quando sair. Há coisas que temos de descobrir sózinhos.